10/08/2011

Biciclotecas

Encontrei mais um artigo interessante que faço questão de dividir com os seguidores do blog. A fonte é: http://biciclotheka.wordpress.com/2011/08/10/biciclotecas/


10/08/2011
 
Não acredito que a bicicleta, por ela só, possa “tornar nossas cidades melhores”. Ou que, com a inclusão delas, podemos “humanizar o trânsito”. É preciso ir bem além disto. Obviamente, SEM as bicicletas seria e vai continuar pior [veja os comentários do post Bicicleta como redenção].
Para que a bicicleta se torne um elemento transformador é preciso atenção e cuidado.
O movimento Bicicletada, por exemplo, teria tudo para ser algo inovador, pois parte do princípio de revaloração do espaço urbano e viário. Ver as ruas com outros critérios que não apenas o critério econômico. Por que ruas têm que ser apenas um lugar de produção, apenas um elo da cadeia da sociedade consumista? Ruas são muito mais do que uma camada de asfalto utilizada por pessoas para ir e vir ao trabalho. São muito mais do que veias onde “corre a riqueza da cidade”, onde se escoam produtos e mercadorias. Além de lugar econômico, ruas são espaço de celebração,  de contemplação, de vivência e até de vagagem.
Mas a partir do momento que a Bicicletada, ou qualquer outro movimento ou iniciativa, torna-se do contra, contra os automóveis, contra as montadoras, contra o capital, acopla-se a uma estrutura de poder e perde toda sua vitalidade. Sua existência passa a ser em função de um oposto, de um “inimigo” incorpóreo. Limitada em ser apenas contra, perde a possibilidade e a potência  de ser algo que vai além do automóvel. Esvaziada em sua positividade, a bicicleta vampiriza o automóvel.
De forma muito piorada acontece com as pretensas “políticas cicloviárias” que agora estão na moda. A bicicleta, que se traduz em “ciclovias”, é vista como parte da política de trânsito voltada para automóveis.
Não é o caso de apenas revidar e resistir ou proteger. É preciso produzir algo novo.
As forças vivas presentes na rede social deixam assim de ser reservas passivas à mercê de um mosntro insaciável, para se tornarem positividade imanente e expansiva que os poderes se esforçam em regular, modular ou controlar.
Nessa perspectiva, a produção do novo já não aparece como exclusivamente subordinada aos ditames do capital, nem como proveniente dele, muito menos dependente de sua valorização – ela está disseminada por toda parte e constitui uma potência psíquica e política.
 A colonização do futuro, Peter Pal Pelbart, revista Filosofia especial, nº 8, págs. 46-55.
Em Brasília, dois exemplos ilustram esta vitalidade transformadora.
A Sociedade das Bicicletas tem um projeto inovador de empréstimos de bicicletas. Enquanto os sistemas de bicicletas públicas ou são estatais, ou são empresariais, com fins lucrativos, o sistema idealizado pelo grupo aproxima-se daqueles empréstimos de bicicleta que já fazemos para familiares ou amigos. Algumas bicicletas estão disponíveis e podem ser emprestadas por tempo indefinido. Se você vier a Brasília e precisar de uma bicicleta, a Sociedade pode te emprestar uma.
O sistema não chega a repetir a experiência do Provos, onde bicicletas eram deixadas pela cidade, para uso livre de todos. Há uma pequeno controle, que talvez iniba os roubos/sumiços de bicicleta que aniquilaram com a experiência holandesa. Mas igualmente questiona a lei da propriedade privada ou da “necessidade” de mercantilizar tudo, objetos, serviços e relações humanas. Por que não é possível emprestar alguma coisa sem necessariamente lucrar com isto??
A nova direção da Rodas da Paz fez um ciclonique no Eixão do Lazer [o Eixão do Lazer acontece todo domingo, quando a principal via do Plano Piloto é aberta aos pedestres e bicicletas, e fechada aos carros das 6 às 18h].
Cicloniques são piqueniques organizados por bicicletistas, que combinam hora de encontro e o que levar de comida e bebida, para um evento de reencontro e aproximação das pessoas, com lanche comunitário. De novo mostra as possibilidades da bicicleta para resgatar valores coletivos e de compartilhamento. Aliás, de fato, assim que foi inventada a bicicleta possibilitou passeios pelos arredores das cidades e pelo campo, reduzindo a dependência dos cavalos, tornando-se alternativa viável para a diversão e a divagação dos moradores. Em geral, estes passeios tornavam-se piqueniques, como mostra este poster de 1910:

Outro exemplo de revaloração é o projeto Bicicloteca, que esteve na mídia alguns dias atrás. A idéia é excelente. Coletar e distribuir livros para moradores de rua. Sim, aqueles mesmos, que ficam vagando e usam as ruas como um lugar não-econômico. :-)
Na verdade, são dois projetos diferentes com mesmo nome. Este que leva livros a moradores de rua foi idealizado pelo Sr. Robson Mendonça, e tem apoio do Instituto Mobilidade Verde.
Bicicloteca do IMV
O outro é iniciativa da ONG CUFA: uma biblioteca ambulante sobre duas rodas para levar livros até as favelas, tem como madrinhas atrizes famosas e usa um triciclo bem criativo!!
Bicicloteca da CUFA
Acontece algo semelhante nos parques de Chicago, desde 2008. No projeto Book Bike, livros são comprados e depois distribuídos gratuitamente para todo mundo, sem distinção de classe.
BookBike, em Chicago
A “bicicloteca” norteamericana funciona num esquema mais comunitário, com doações voluntárias e suporte online.
Nestas iniciativas, ao ser doado, o livro perde seu valor econômico, deixa de ser mercadoria. Da mesma forma isto acontece com livros nas bibliotecas, tornam-se um bem comunitário. Dentro da sociedade do consumo descartável, eles são revalorizados – quem sabe transvalorizados?
Notou a semelhança entre uma biblioteca (sobre duas rodas ou não), o projeto da Sociedade das Bicicletas e os cicloniques? É só questão de ir além.
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Um misto de espanto e satisfação foi o que senti quando comecei a receber emails, de amigos, sobre o projeto Bicicloteca.
O nome bicicloteca foi criado por mim em 2005. Sei que é ousado dizer isto, mas, pelo menos no ambiente  da internet, tenho respaldo do deus Google, que sabe tudo e vê tudo e me disse que não existia tal palavra. E também está lá registrado no endereço www.biciclo.teca.nom.br e na montagem que fiz:
Não me importo que tenham usado a mesma palavra. Alguém me falou em direitos autorais… Que nada! Palavras são como filhos, são colocadas no mundo para as pessoas se apaixonarem por elas.
Minha ideia era coletar assuntos nos mais diversos campos do conhecimento humano, sempre relacionados com a bicicleta. Consegui muita coisa, mas manter um saite exige muito mais tempo. Com este blog, estou revendo aquela ideia e trazendo os assuntos da minha biciclo.teca para cá.
Outro detalhe: criei o saite bicicloteca, mas quando fui criar um blog, alguém já tinha se apaixonado pela palavra, tanto no wordpress quanto no blogspot. Não tive outra saída e apelei para a raiz grega do sufixo na URL deste blog que vos fala : biciclo-theka.

3 comentários:

Angelike disse...

Excelente esse artigo. Vou encaminhar para os meus colegas na Biblioteca Zila Mamede. Vou enviar para todo mundo. São idéias transformadoras.

Muito bom mesmo. Obrigado por disponibilizar.

Fabiano disse...

A bicicleta conforme minha tradução de seu texto, "é objeto de transformação por si só"... a possibilidade de agregar valor a essa transformação, é outra história, muita longa por sinal. A bicicletada/MC revoluciona e empanca nas suas limitações ideológicas é fato, a sua essência é que dói, mais puramente verdadeiras, podemos pensar radicalmente em eliminar os carros, podemos pensar radicalmente que os carros nos eliminam, só no Brasil são 40mil mortos e outros 400 mil sequelados por eles, acho que ao custo de 40bilhões, quem está eliminando quem?! Podemos pensar que não teremos espaço em breve a comportar tantos carros? sim eles vão ocupar cada centímetro das cidades, parece filme ou desenho animado(sinistro) mais os carros irão/estão tomando conta do mundo!. Certa vez um membro da bctda me disse, quando o acusei de radical, ele disse: -Radical é agir na raiz... Podemos e devemos sim, agregar valor ao trabalho que a "bicicleta" realiza no trânsito, aliás, estamos fazendo, eu, vc e outra dezenas de pessoas aqui em Natal, mais por vez ou outra temos que saber onde está o problema e onde é a bendita raiz disso tudo. Por fim, devemos abrir a discussão, por sinal muito salutar, podemos ser contra os carros? não sei, só sei que no trânsito, somos todos seres humanos, assim devemos agir, para assim construirmos uma sociedade justa e sustentável.

Fabiano disse...

Confesso que fiquei excitado(zinho) na parte que trata da bctda. Prefiro a sustentabilidade e o bom senso, utilizar o "carro" apenas quando necessário e desfrutar diariamente dos benefícios da bike!. O restante do texto é EXCELENTE e desperta atenção ao que "nós" podemos fazer ainda".
Abraços!